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Mostrando postagens de agosto 18, 2023

Mulheres Negras: moda e respeitabilidade

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  Alberto Henschel. Mulher de turbante, c. 1870. Rio de Janeiro, RJ / Acervo IMS   As escolhas de vestuário foram essenciais para as mulheres negras após a emancipação dos escravizados. Roupas e acessórios foram, e ainda são usadas por elas como veículo para o debate antirracista. O tráfico e a escravidão fizeram com que as escravizadas perpetuassem a identidade africana por meio de tecidos como “panos da costa”, e adereços, como miçangas e búzios comprados em navios vindos diretamente da África. Esses usos explicitam escolhas estéticas que marcaram a identidade visual de mulheres negras, haja vista as roupas de “baianas”. Mas essa imagem da mulher negra, escravizada ou liberta, vestida com grandes saias engomadas e turbantes, não covinha à sociedade racializada depois da abolição. Após 1888, foi primordial o uso de um vestuário que corroborasse a realidade de mulheres livres, modernas e sobretudo dignas de respeito. Isso porque o escravismo autorizou homens brancos a en...

Grace Kelly e os vestidos de noiva atuais

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  Grace Kelly e príncipe Rainier III - 1956   O casamento de Grace Kelly e o Príncipe Rainier III parou o mundo, no dia 19 de abril de 1956, sendo transmitido pela TV e assistido por milhares de pessoas. Hoje, em posse do Museu de Arte da Filadélfia, o vestido criado pela designer Helen Rose ainda serve como referência para diversas noivas que buscam um visual clássico e elegante. Com mangas compridas, rendas, gola alta e uma grande saia em recorte “A”, o vestido é reflexo de uma época em que dominava o estilo “ladylike” – cujo principal traço é a cintura marcada e mangas levemente armadas. Logo, o vestido de Grace Kelly passou a servir como inspiração para as noivas mais clássicas. Porém, durante a década de 1960, a revolução jovem e a inovação do prêt-à-porter passaram a influenciar as noivas com vestidos mais minimalistas, deixando o modelo utilizado pela atriz de lado. O estilo “princesa” aparece novamente nos anos 2000, sendo visto na união de Kate Middleton e o...

Helen Rose e os vestidos de noiva

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Grace Kelly em seu vestido de noiva – 1956   Helen Rose foi uma figurinista, nascida em Chicago no dia 2 de fevereiro de 1904, onde estudou na Academia de Belas Artes e se mudou para Los Angeles, em 1929, onde foi contratada pela Lester Costume Company e se tornou responsável por desenvolver trajes para a vaudeville, gênero de entretenimento popular na América do Norte, nos anos 1930. No início dos anos 1940, passou a fazer figurinos musicais para a 20th Century Fox e, em 1943, foi contratada como designer chefe na MGM. Trabalhou no estúdio até 1966 e, durante o tempo que esteve lá, foi responsável por vestir atrizes como Elizabeth Taylor, Deborah Kerr e Lana Turner, consagrando-se como uma das poucas mulheres a se tornar designer chefe de um grande estúdio de cinema. A figurinista foi indicada oito vezes ao Oscar, ganhando duas delas. No mesmo ano que deixou a MGM, a designer abriu seu próprio negócio e ganhou destaque na criação de peças para a alta sociedade e artistas...

Desfile ou Teatro?

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  Alexander McQueen fall 1998 collection “Joan”   Nascido nos conjuntos habitacionais de Londres, Lee Alexander McQueen rapidamente ganhou notoriedade como o Enfant Terrible da moda britânica devido às suas inspirações transgressoras e obsessão pelo conceito vitoriano. Tendo como objetivo marcar o espectador, seja por meio do fascínio, seja pelo asco, com sua forte personalidade enraizada no planejamento de cada peça. Após alguns anos de aprendizado e aperfeiçoamento técnico na Savile Row, McQueen começou a trabalhar na produção de figurinos para peças teatrais como "Os Miseráveis" e "Miss Saigon". Essa experiência no mundo das artes cênicas inspirou o estilista a criar coleções eletrizantes, com uma forte teatralidade e narrativas detalhadas. Ele criou desfiles intertextuais com atmosferas que geravam diferentes sensações, atraindo a atenção da mídia e gerando opiniões divergentes a cada nova temporada. Sempre buscando tensionar os limites entre moda e arte...

“Quem Ama Não Mata”: Construindo uma vítima “culpada”

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     Alice com a mãe após almoço de família Em 12 de julho de 1982 estreava a minissérie Quem Ama Não Mata no horário das 22h, na Rede Globo de Televisão, dirigida por Daniel Filho e Dennis Carvalho e escrita por Euclydes Marinho. A obra narrava a história de Jorge (Claudio Marzo) e Alice (Marília Pêra), um “mineiro machão” e uma dona de casa submissa que, entre segredos e omissões, têm um final trágico. Apesar da apropriação do slogan que surgiu em protestos na cidade de Belo Horizonte e da temática do feminicídio, a minissérie não se apresenta como uma produção feminista, deixando evidente que Alice também era culpada por sua morte. O figurino de Alice é construído a partir de signos da feminilidade tradicional. Dona de casa em tempo integral, ela é graduada, mas não trabalha fora. Seu maior sonho é engravidar, mas não consegue – Jorge é infértil e mantém isso em segredo – e se considera menos “mulher” por essa razão. Além disso, é submissa e não dá um passo sem...

Moda, cultura e identidade no Renascimento do Harlem

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  Crianças negras brincando nas ruas do Harlem na década de 1920 Você sabe o que foi o Renascimento do Harlem e o que esse movimento tem a ver com a moda? No início do século XX milhares de afro-americanos migraram do sul dos Estados Unidos, onde as leis segregacionistas impediam que vivessem plenamente sua liberdade conquistada, para o norte do país. A cidade de Nova Iorque era um dos destinos mais populares escolhidos por esses migrantes negros que se estabeleceram no bairro do Harlem. No Harlem uma população diversa, que incluía trabalhadores não qualificados e uma classe média educada, compartilhava experiências comuns de escravidão, emancipação e opressão racial. A convivência de diferentes mentes criativas proporcionou o surgimento do Renascimento do Harlem (Harlem Renaissance), um movimento que defendia a autodeterminação dos negros e abria espaço para que as histórias, desejos e aspirações destes fossem expostas no meio artístico. Na música, o jazz e o swing embalavam...

Renascimento da tatuagem nos EUA

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    Lyle Tuttle trabalhando A produção e o lugar social da tatuagem contemporânea possuem vínculos relacionados ao contexto dos Estados Unidos, da segunda metade do século XX. É nesse período, marcado por revoluções tecnológicas, sociais, artísticas e culturais, que ocorre o “Renascimento da Tatuagem”. Jovens entusiastas, oriundos de instituições de formação artística, inserem-se no campo da tatuagem, incorporando dinâmicas que acarretaram o desenvolvimento de novos estilos e práticas comerciais. Estes jovens artistas tatuadores foram responsáveis pela definição da criatividade como um novo paradigma para o campo em detrimento das preocupações técnicas que marcavam a produção artesanal anterior. Possuíam grande interesse estético pela produção de tatuagem oriental e da América do Norte nativa. Em meio a interesses pelo misticismo e pelo exótico, os olhares ocidentais também identificavam o refinado processo estético japonês que de forma sofisticada compreendia toda a exte...

"I'm not okay (i promise)"

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    Screenshot do videoclipe da música “I’m Not Okay (I Promise) da banda My Chemical Romance, 2004 “Eu não estou bem!”  A frase gritada com agonia pelo vocalista da banda My Chemical Romance, em 2004, foi uma das mais importantes para a construção da discussão a respeito da expressão das emoções e cuidados com a saúde mental que o emo trouxe.  No rock, o tema não era novo, mas essa música, tratava do assunto de forma direta, visceral e estourou nas rádios e programas de TV, abrindo espaço para discussões sobre o tema. Mas por que isso importa? Porque o emo, junto com seu lápis de olho preto e franja cobrindo metade do rosto, trouxe também uma nova possibilidade de expressão da masculinidade.  Em geral, as culturas contemporâneas não costumam ser muito receptivas a homens emotivos, há uma certa expectativa a respeito do que se espera do comportamento de um homem, e infelizmente a afinidade pelo emocional não está incluso no pacote. No ocidente as emoçõ...

A maioria das "Claudias" são donas de casa - a família na fotografia de moda em Claudia (1960)

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    Lançada no mercado brasileiro em 1961 e em circulação até os dias atuais, Claudia se desenvolveu imbricada à modernização da sociedade brasileira e a constituição da sociedade de consumo. Voltada para a mulher de classe média alta emergente, a revista vinha com o objetivo de ser um guia para a “mulher moderna”. Entretanto, este ideal de modernidade difundido pela publicação funcionava como um verniz, ou seja, um modelo de feminilidade moderno e cosmopolita na aparência, mas que ainda é marcada pelo ideal de domesticidade da “rainha do lar” do período anterior. Deste modo, a maternidade é um tema recorrente em Claudia. Além de anúncios publicitários de produtos infantis, como alimentos e brinquedos, é possível observar constantemente matérias que buscam orientar, aconselhar, informar sobre a educação desde bebês até adolescência. Segundo Isabella Cosse (2010), a partir dos anos 1960 diversos movimentos incidiram sobre a configuração das identidades masculinas e femini...

A criação de Passarela e o desejo da mulher moderna pt.3

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    “Malhas caem nas malhas” Jornal do Brasil, 23/10/1962, Caderno B, Passarela, p.1 Finalizando a série sobre Gilda Chataignier e Passarela, um dos pontos que eram priorizados pela coluna era a elegância. Segundo Mara Rúbia Sant'Anna as novidades da moda, no início da década de 1960, vinham acompanhadas de uma elegância restrita e, em meados desse período, a tendência era ter o equilíbrio entre arrojo, originalidade e inovação, ou seja, a extravagância passava longe das pautas da moda. As questões relacionadas ao novo em Passarela ficavam por conta dos aspectos internacionais, fosse através da linguagem e do uso de termos internacionais para levar legitimidade à coluna ou das peças de roupas, além das formas que se dirigiam para a construção da mulher moderna. Como vimos anteriormente, o foco geográfico da redação da jornalista era Ipanema e a Zona Sul do Rio de Janeiro que contribuíram para essa construção de mulher moderna carioca e de classe média alta e do desejo de s...

A criação de Passarela e o desejo da mulher moderna pt.2

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    “Elas vão ao casamento” Jornal do Brasil, 09/04/1963, Caderno B, Passarela, p.6 Continuando a série sobre Gilda Chataignier, esse post tratará um pouco do que foi a coluna feminina Passarela, assinada por ela durante 7 anos. Lançada no dia 18 de setembro de 1962  no Caderno B do Jornal do Brasil, a sessão de moda e assuntos femininos,  prometia informar as suas leitoras tudo o que fosse novidade na área de moda.  Na coluna, de publicação praticamente diária, a jornalista levava para suas leitoras matérias relacionadas às novidades da moda daquela época. De início, a jornalista passou a divulgar tudo o que tinha um viés europeu ou norte-americano, uma vez que as produções de moda desses lugares denotavam autoridade e prestígio. Era possível observar a presença do apelo internacional nos produtos de perfumaria, nas roupas e nos acessórios que eram divulgados, assim como nas dicas de como as leitoras deveriam se vestir ou se comportar. Essa estratégia, po...

A criação de Passarela e o desejo da mulher moderna pt. 1

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    Gilda Chataignier por João Cordeiro Junior Quem foi Gilda Chataignier? Qual sua importância para a moda? Como foi sua atuação no Jornal do Brasil? De onde surgiu a ideia de criar uma coluna de moda chamada Passarela? Essas perguntas serão respondidas ao longo de uma série de três posts sobre essa personalidade que fez parte da História da Moda Brasileira.  Escritora e autora de vários livros voltados para a moda como “História da Moda no Brasil”, “50 anos é o máximo” e “Fio a Fio: tecidos, moda e linguagem”, Gilda Maria Carôllo Chataignier nascida no Rio de Janeiro por volta do início dos anos de 1940 e falecida em novembro de 2019, possuía uma relação com a moda que era de família já que era oriunda de uma das famílias que administravam a Fábrica Brasil Industrial, uma das primeiras fábricas de tecidos do Rio de Janeiro, localizada no Paracambi. Falava que foi “criada cercada de paninhos”, seja pelo avô Carlos que era desenhista e a “presenteava com cartelas de...

Gênero, uma categoria útil de análise para pesquisas em moda

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    O gênero é uma ferramenta útil de análise para pesquisas em história da moda. Para tanto, é necessário alinhavar conceitos de teoria de gênero com os estudos da moda. A afirmação de que "roupa não tem gênero" virou um lugar-comum, mas deve ser examinada antes de ser repetida na academia.  O processo de criação e a cadeia de produção de peças de moda são guiados por ideias de gênero. Desde a etapa de pesquisa de moda relativa a tendências e o mercado consumidor, passando pelas atividades de criação de croquis, escolha de materiais e elaboração de planos de coleção, pelo desenvolvimento de moldes a partir de bases de modelagem e tabelas de medida, até a escolha de técnicas de corte, costura e acabamentos. Uma peça de roupa, para ficar pronta, passou por várias escolhas baseadas em previsões sobre o gênero da pessoa que vai usar, e nas concepções de gênero das pessoas envolvidas nessa cadeia. Além disso, a publicidade e as vendas do produto de moda são orientadas p...

Os códigos do figurino da série Andor de Star Wars

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    Cassian Andor, ilustração de Andrey Ryabovichev   A ideia que roupas formam um sistema de comunicação não é nova, Roland Barthes as analisou nas revistas de moda e nos palcos.  Os figurinos de Star Wars nos ajudam a compreender isso, do penteado da princesa Lea às túnicas dos cavaleiros Jedi, aos suntuosos trajes da rainha Amidala criados por Trisha Biggar, constituíram-se signos culturais. A série Andor explora o universo de Star Wars de maneira diferente dos filmes ao tratar a formação da aliança rebelde com uma abordagem a partir da realidade. O caráter político do nascimento da rebelião desponta do proletariado diante da violência policial e do controle burocrático do estado ditatorial.  O roteiro excelente é apoiado no ótimo trabalho de interpretação dos atores, sem, no entanto, ser explicativo. O que faz o figurino criado por Michael Wilkinson parte do sistema narrativo, não para ser apreciado isoladamente, mas analisado em suas intenções. Exempl...

Rédeas, anquinhas e corsets

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  "Winter Novelties Designed by Redfern." Ilustração da The Lady Magazine, 1885, IN: Penelope Byrde, Nineteenth Century Fashion, London: B.T. Basford Limited, 1992.  Um sucesso literário da era vitoriana é uma autobiografia de um cavalo no qual o próprio conta na primeira pessoa suas memórias desde sua vida como potro, seus dias de glória numa família aristocrata, sua decadência puxando um táxi pelas ruas sujas de Londres. Escrito em 1877 pela inglesa Anna Sewell, o conto Beleza Negra (Black Beauty), objetivava induzir simpatia no trato com os cavalos, aborda gentileza e crueldade, obediência e dominação. A autora viveu sob rígidos códigos religiosos, e uma queda na juventude a fez depender de cavalos para se locomover, tendo passado seus últimos anos numa cama, época na qual escreveu Beleza Negra. Descreve, sob a perspectiva do puro-sangue, os muitos procedimentos abusivos cometidos aos cavalos, entre os quais, os mais perniciosos seriam em nome da Moda, a aplicação de frei...

O Feminino e a Futilidade na Moda

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    Divulgação Columbia Pictures Teria sido a Moda sempre julgada em seu sentido e importância por relacionar-se ao campo da mulher, alvo de preconceito histórico? Por outro lado, quais são as consequências que essa apropriação causa ao feminino? Em um mundo absorto em imagens e em sua propagação em massa, a Moda cria seu próprio simulacro da figura feminina que, muitas vezes, não corresponde à realidade.  Ao utilizar a figura feminina como base de seus jogos das aparências, a Moda pega para si não apenas a imagem de inferioridade que as mulheres carregam historicamente, mas, também, reflete nelas parte de sua própria reputação: algo fútil, vazio. Vemos grandes exemplos dessa relação complexa ao longo dos mais variados temas. Maria Antonieta, a rainha que achou nas roupas o seu protagonismo público, não seria apenas uma mulher moderna em uma crise que a antecedia? As famosas patricinhas representadas pelos filmes dos anos 2000 não são apenas adolescentes buscando se...