Gênero, uma categoria útil de análise para pesquisas em moda

 

 

O gênero é uma ferramenta útil de análise para pesquisas em história da moda. Para tanto, é necessário alinhavar conceitos de teoria de gênero com os estudos da moda. A afirmação de que "roupa não tem gênero" virou um lugar-comum, mas deve ser examinada antes de ser repetida na academia. 

O processo de criação e a cadeia de produção de peças de moda são guiados por ideias de gênero. Desde a etapa de pesquisa de moda relativa a tendências e o mercado consumidor, passando pelas atividades de criação de croquis, escolha de materiais e elaboração de planos de coleção, pelo desenvolvimento de moldes a partir de bases de modelagem e tabelas de medida, até a escolha de técnicas de corte, costura e acabamentos. Uma peça de roupa, para ficar pronta, passou por várias escolhas baseadas em previsões sobre o gênero da pessoa que vai usar, e nas concepções de gênero das pessoas envolvidas nessa cadeia. Além disso, a publicidade e as vendas do produto de moda são orientadas para um público consumidor categorizado por gêneros. 

Quando o designer João Pimenta afirmou que "quem define o gênero da peça é quem compra e a usa" (2021), e quando o designer Alexandre Herchcovitch disse que “se um homem quiser comprar um vestido, a mulher quiser comprar um casaco masculino, para mim não importa” (2017), eles estavam se referindo ao poder de escolha de consumidores em relação à compra e ao uso pessoal das peças prontas.

Porém, o gênero é tão importante para a moda, que constitui as bases das práticas de criação e modelagem de roupas. Alinhavando com conceito desenvolvido por Teresa de Lauretis, a moda pode ser lida como uma tecnologia de gênero, uma vez que usa técnicas e códigos específicos que constroem imagens de mulheres e homens, que podem ser interpeladas por consumidores, criando identificações relacionadas ao gênero destes. Não foi à toa que Lauretis afirmou que, quando nos apresentamos de acordo com um gênero, ele “grudou em nós como um vestido de seda molhado” (1994, p. 220).

Por Natalia Rosa Epaminondas, @nataliarosa e @as_avessas

 

Para saber mais:

EPAMINONDAS, Natalia Rosa; RODRIGUES JUNIOR, Paulo de Oliveira. Algumas ferramentas queer para pensar modas não binárias. In: COLÓQUIO DE MODA, 17., 2022, On-Line. Anais [...] . On-Line: Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Moda, 2023.

HERCHCOVITCH, Alexandre. Alexandre Herchcovitch: ‘Não penso em roupas para gêneros’. [Entrevista concedida a] Mabi Barros. Veja, 17 mar 2017. 

LAURETIS, Teresa. A tecnologia do gênero. In: BUARQUE DE HOLLANDA, H. (Org.). Tendências e Impasses: O Feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 206-242.
PIMENTA, João. Moda sem gênero não precisa ser sem graça e marcas brasileiras provam isso. [Entrevista concedida a] Gustavo Frank. Nossa, 3 jul. 2021.