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Mostrando postagens de agosto 15, 2023

Corpos artificiais e inanimados na foto de moda

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  Steven Klein: “Suburbia #23”. Vogue , agosto 2012. Quando se fala em representação da mulher nas imagens midiáticas, um tópico recorrente é a ideia de objetificação – normalmente no sentido de objetificação sexual para o prazer do “olhar masculino”. Na fotografia de moda, entretanto, a objetificação muitas vezes assume um caráter mais literal: impecavelmente adornadas, em poses rígidas, o rosto sem expressão, as modelos parecem se transformar em objetos inanimados, em elementos decorativos compondo a cena com as mercadorias em exibição, que assumem a função de protagonistas da imagem. Seres humanos e peças à venda, portanto, trocam de lugar; os objetos parecem dotados de uma personalidade sedutora, enquanto as mulheres se transformam em mercadorias de luxo, fabricadas minuciosamente a partir de materiais ricos.  O glamour – uma estética que combina perfeição formal, artificialismo, opulência e frieza – parece mesmo depender da capacidade de transformação do corpo viv...

Os clássicos na moda do funk e do rap - 2: Nike

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    Beyoncé e Jay-Z em frente a estátua “Nike de Samotrácia” no Louvre A Nike é uma marca de artigos esportivos fundada em 1972 por Bill Bowerman e Phil Knight no estado norte-americano do Oregon. É atualmente a maior fornecedora mundial de produtos do ramo, que vão desde indumentárias e acessórios para o dia-a-dia até esportes de alto nível. É destinada, sobretudo, ao público popular e tem um dos logos mais conhecidos do mundo. O chamado Swoosh – a logo da marca - , apesar de não parecer, carrega junto do nome da marca uma recepção do passado clássico. No mundo grego antigo, Nike foi a deusa que representava a “vitória”. Dentre as diferentes representações visuais da divindade, é bastante comum aparecer com um par de asas nas costas e, também, carregando uma faixa, uma coroa, ou praticando o ato da libação, símbolos de prestígio pelas conquistas. A marca Nike, além de emprestar o nome de uma referência antiga, traz no seu logotipo uma estilização da asa da deusa, repr...

Os clássicos na moda do funk e do rap - 1: Versace

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    Chainz em campanha pela Versace. Site oficial da marca A Versace é uma marca italiana da moda de luxo fundada na Itália em 1978 que traz em sua identidade visual um logotipo bastante conhecido, a cabeça da Medusa. A imagem carrega mundo afora um símbolo que tem origem no mundo antigo. Entretanto, por estar destinada ao mercado de alto valor e a um público de elevado poder aquisitivo, acaba por reforçar a ideia do passado clássico como sinônimo de excelência e superioridade, uma “herança” pertencente à elite. Por outro lado, tais elementos podem ser totalmente ressignificados quando absorvidos por outras culturas ou grupos de expressão artística, como é o caso do Funk e do Rap. Por se tratarem de gêneros nascidos e desenvolvidos por grupos afro-descentes e de posições mais desfavorecidas socialmente, os artistas retratam com maestria as vivências dos lugares onde cresceram e como conquistaram uma “vida boa” através do trabalho com a música. Nessa visão, a moda é obj...

Performances Mitológicas e a Moda Drag Queen

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  Presença de elementos neoclássicos e egípcios no ambiente e na roupa de Asia O’Hara Seguindo com a proposta de estudar a presença do mundo antigo na moda, nós do Antiga e Conexões, grupo de estudos vinculado à UFPR, passamos a analisar a existência de tais traços da antiguidade no mundo Drag Queen. Para isso, partimos das concepções acerca do potencial de exteriorização individual propiciado pelas vestimentas. Junto a isso, adotamos como entendimento da performance, atrelada ao vestir-se, o reconhecimento da subjetividade e da espontaneidade performativa, aliada à vivência das exteriorizações pessoais propiciadas pelas indumentárias.  Com isso em perspectiva, dirigimos a nossa atenção ao ato performático e suas relações com a ação e a consciência corporal. Assim, com base na produção de Butler, afirmamos a construção de identidades e sua associação com as corporeidades em um processo de atribuição de caracteres de gênero aos indivíduos. Entendidos como padrões comporta...

A simbologia das vestimentas dos gladiadores

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    Luta de Gladiadores – Mosaico de Zliten (norte da África), cerca de 200 AD Roupas e acessórios romanos dificilmente chegam até nós, pois como tecido e couro é perecível, dificilmente resistem ao tempo. Há algumas poucas exceções que chegaram até nós como as sandálias de couro dos soldados do forte de Vindolanda, próximo à muralha de Adriano, preservadas pela umidade do solo pantanoso. Ou jóias, claro, por serem de metais e pedras preciosas, mas neste segundo caso, só teríamos acesso aquilo que pertenceu às elites. Assim, para estudar as vestes romanas de forma mais abrangente, temos que ser criativos e recorrer às descrições literárias ou a cultura material – pinturas, esculturas, mosaicos, arte tumular.  Quando estava fazendo minha pesquisa sobre os gladiadores, me deparei com um conjunto de lápides interessantes, dos escravos ou libertos responsáveis por cuidar das vestimentas dos gladiadores. Vejamos um exemplo:  Idumaeo escravo de Tibério César ...

Emo, masculinidade, subculturas juvenis

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      Em meados de 2007, no Brasil, era difícil encontrar um adolescente que não conhecesse a música “Razões e Emoções” — single de maior sucesso da banda NX Zero — devido à sua grande disseminação nos meios midiáticos destinados ao público jovem. Isso se deu porque neste mesmo ano ocorria o “clímax” do emo, uma subcultura jovem que logo se tornou uma febre, chamando atenção pela peculiaridade com a qual lidava com questões emocionais, que acabaram por influenciar na vida dos jovens que se identificavam com o movimento. Catherine Lutz (1988) aponta como, no ocidente, os conceitos que temos de razão e emoção estão diretamente ligados aos ideais que temos de masculinidade e feminilidade, respectivamente. Desta forma, o emo do sexo masculino poderia ser considerado uma personificação desta contradição, pois traz o homem, considerado inerentemente racional e moderado, que evita o contato com seu lado emocional a todo custo e o coloca de frente com uma subcultura onde ...

A casa das fazendas pretas

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  A Casa das Fazendas Pretas na Avenida Central (atual Rio Branco), Rio de Janeiro. Foto de Marc Ferrez, ca 1906. Fonte: Gilberto Ferrez collection / Instituto Moreira Salles. Disponível em Google Arts & Culture   Estabelecimento comercial dedicado aos tecidos e artigos necessários ao luto e ao meio-luto, a Casa das Fazendas Pretas foi aberta em 1871, em um sobrado na Rua da Quitanda, no centro do Rio de Janeiro.  Pode soar estranho para nós, em 2021, uma loja que só vendesse produtos para o luto, mas durante o século XIX esse tipo de vestuário fazia parte de uma intrincada e rígida etiqueta social, que o considerava quase obrigatório. Os tempos do luto eram longos e as regras se aplicavam a todas as peças de indumentária. Ou seja: esse era um comércio bastante procurado, com demanda frequente e proveniente de todas as classes sociais. Não foi à toa, portanto, que em pouco tempo a Casa das Fazendas Pretas passou por diversas mudanças, aumentando...

Alfaiataria: origens e desenvolvimentos

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  Alfaiataria Verdi (Curitiba) O ofício da alfaiataria é antigo. A história do termo é prova disso: alfaiate vem do árabe al-khaiiãT – aquele que une, que fia os tecidos. Em espanhol é sastre, que conservou a referência do latim sator. Esses termos, assim como taylor, em inglês, se fixaram entre os séculos XII e XIV, momento em que, na Europa, os profissionais de corte e costura agruparam-se nas primeiras Corporações de Ofício.  Com o pretexto de assegurar a qualidade da profissão, essas instituições regulamentavam as condições de ingresso no ofício. O ensino era pago, mas o baixo custo da aprendizagem e do equipamento básico, em relação às outras carreiras, era algo importante a se considerar nas decisões das famílias da classe trabalhadora. Outro fator nessa escolha era a inaptidão dos meninos aos pesados serviços do campo. Na Europa, era comum a imagem que associava o alfaiate a alguém frágil fisicamente. Está aí toda a graça d’O Alfaiate Valente, que enfrentav...

Moda pelotense: 1980 através de fontes históricas

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    Apresento aqui, um recorte da minha pesquisa de dissertação, que encontra-se em andamento pelo PPG em Memória Social e Patrimônio Cultural (UFPEL), financiada pela CAPES. Nesse recorte me aprofundo sobre o uso de fontes históricas para entender a moda de uma sociedade local. Considerando meu recorte temporal o ano de 1980 e o recorte espacial a cidade de Pelotas. Para conhecer os modos de vestir de determinada sociedade em um período não vivenciado por mim, decidi recorrer a pesquisa em jornal, utilizando como fonte primária o jornal local Diário Popular, que compartilhava, junto a outros meios da imprensa, um papel importante na veiculação de gostos e modos de vida. Foram observados as notícias de comportamento e as publicações na coluna de moda. Considerando que os meses investigados foram: janeiro, abril, setembro e dezembro, a primeira imagem nos possibilita saber sobre os modos de vestir das banhistas. A cidade de Pelotas conta com uma praia de água doce c...

Corpo, moda e homoerotismo na G Magazine

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    A G Magazine foi uma revista homoerótica que circulou de 1997 a 2013. Com 176 edições, se consagrou por utilizar de estratégia semelhante a Playboy: despir personalidades que circulavam pela mídia brasileira. Além dos corpos e personas, as roupas tinham o papel fundamental de construir e transmitir as narrativas e fantasias visadas pela revista. Diálogos e negociações eram traçados para evitar uma extrema “vulgarização” e também ao estabelecer que partes do corpo seriam acentuadas, e outras, escondidas. Mecânico, pedreiro, bombeiro e outras profissões normalmente ligadas à ideia de “masculino” aparecem com frequência na pornografia gay, tensionando os limites entre a masculinidade hegemônica e as sexualidades dissidentes. Os modelos que estampavam as capas tinham suas próprias profissões, como atores, atletas, cantores, que eram utilizadas para instigar o desejo do consumidor, a fim de consumir aqueles corpos anteriormente inalcançáveis devido à aura da fama; reforça...

Eufrásia e Maison Worth: Sincronicidade

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    Vestido veludo preto, Maison Worth, e reprodução em algodão. Fonte: Foto Flávio Bragança, 2018.   A investigação das etiquetas da coleção Worth no Museu Casa da Hera, da qual tratamos no último post, indicou que esses trajes foram produzidos após 1887. A análise das formas de algumas peças reforça a hipótese dessa datação do final do Século XIX.   Um conjunto tailleur de montaria que apresenta casaco colarinho alto foi confeccionado em veludo roxo, mas atualmente aparenta marrom pela descoloração por incidência de luz, tem mangas bufantes na altura dos ombros e é provavelmente da década de 1890. Para Boucher (2010), no início da década de 1890 as mangas inflam para a forma presunto, com volume excessivo no braço em 1895. Inicialmente tailleurs eram confeccionados por alfaiates ingleses, mas na década de 1890 as maisons francesas, como a Worth, também introduziram a alfaiataria para atender a essa crescente demanda (HAYE; MENDES, 2014). Esse dado, som...

Eufrásia e Maison Worth: poder simbólico

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    Casaco Mantelet preto, Maison Worth, [s.d.], MCH. Foto: Carina D’Ávila, Fonte: UMBELINO, 2016. As dez roupas pertencentes ao acervo do Museu Casa da Hera que apresentam a etiqueta da Maison Worth podem ser categorizadas em: trajes de montaria, casacos e capas, vestidos e robe. Um dos propósitos da pesquisa era indicar a datação das peças. A investigação das silhuetas correspondentes revela evidências do período, mas pode ser dificultada quando se tem na coleção muitas capas e casacos que não seguem a forma dominante da época. Assim, optamos primeiramente pela pesquisa histórica da etiquetagem da maison. É atribuído a Worth o pioneirismo em usar etiquetas em suas criações.  O costureiro levou para a moda o que Bourdieu (2008, p.28) identificou como “a eficácia quase mágica da assinatura” que é o reconhecimento coletivo do poder de mobilizar a energia simbólica produzida pelo campo. Quando Eufrásia Teixeira Leite chegou a Paris, em 1873, Worth passava por um pro...

Eufrásia Teixeira Leite: Timing e Moda

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    Casaco de veludo vinho, Maison Rouff, c.1895, MCH. Foto: Carina D’Ávila, Fonte: UMBELINO, 2016 A desenvoltura que Eufrásia Teixeira Leite (1850-1930) demonstrou na área financeira comumente reservada aos homens faz com que a expressão “à frente de seu tempo” seja usada para descrevê-la. O timing que imprimiu com maestria nos negócios pode ser corroborado pela contemporaneidade de seus trajes com a moda de sua época. Na coleção de indumentárias do Museu Casa da Hera estão representados grandes nomes da alta-costura francesa, como um peignoir etiquetado Jacques Doucet (1853 - 1929), partes de uma fantasia de Madame Paquin (1869 - 1936), e um casaco e uma saia da Maison Rouff, fundada em 1884. O destaque da coleção fica por conta das dez peças grifadas com a etiqueta da Maison Worth. O inglês Charles Frederick Worth (1825-1895) é considerado pai da alta-costura por, ao fundar sua Maison em 1857, ter instituído a si mesmo o status de criador e não somente um fornecedor, co...

Eufrásia Teixeira Leite: postura e sedução

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    Eufrásia Teixeira Leite com 37 anos, Carolus Duran, óleo, 1887. Fonte: IBRAM, Museu Casa da Hera, 2015. O retrato mais conhecido de Eufrásia Teixeira Leite é uma pintura a óleo que se encontra no salão vermelho da Casa da Hera, em Vassouras, e a representa enquanto vivia em Paris, é de 1887, mesmo ano do rompimento com Joaquim Nabuco. Ela ostenta seus 37 anos com altivez, postura ereta, com os cabelos presos aparentando serem curtos. Usa um vestido de baile em cetim branco com decote generoso que revela o volume do busto, pescoço alongado, sem joias, a alça pende provocantemente de seu ombro na direção do casaco de pele solto em seus braços. Como em seu retrato da juventude descrito no post anterior, Eufrásia utilizou os artifícios da moda a seu favor para realçar seu colo de maneira sedutora, mas igualmente destemida. Os anos vindouros constatarão que o casamento não era sua prioridade e pouco menos seria sua única oportunidade de realização social e econômica, dess...

Eufrásia Teixeira Leite: Autonomia pessoal

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  Eufrásia Teixeira Leite com cerca de 17 anos de idade, pastel sobre tela, autor desconhecido. Segunda metade do século XIX. Fonte: IBRAM, Museu Casa da Hera, 2015.   Uma jovem de 22 anos, solteira e gerindo um patrimônio milionário, nos causa admiração em 2021, imagine isso em 1872. Eufrásia Teixeira Leite (1850-1930) foi uma exceção aos padrões do século XIX que impunham regras às mulheres solteiras, nas quais autonomia financeira não fazia parte. As irmãs Eufrásia e Francisca perderam os pais e herdaram uma grande fortuna. Pressionadas pelos tios a fazerem casamentos indesejados, mudaram-se para Paris. Eufrásia participou ativamente da alta sociedade parisiense e demonstrou excelência como financista, tornando-se uma das primeiras mulheres a investir na bolsa de valores. Teve um relacionamento de 14 anos com o político Joaquim Nabuco (1849 – 1910), todavia o casamento não se concretizou devido às diferenças de interesses.  O único quadro que retrata Eufrásia qua...

Integralismo, mulheres e moda

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“Nos anos trinta, a tendência fascista se adaptou aos moldes brasileiros e originou a Aliança Integralista Brasileira (AIB). Enquanto movimento político de extrema-direita, o fascismo tupiniquim buscava um elemento mais amplo ao agregar mulheres, crianças e negros. Dentro da ideologia, o “novo homem” integralista necessitava de uma “nova mulher”, ou seja, aquela que exprimisse os valores do movimento e do lema central “Deus, Pátria e Família”. Tal inserção feminina oferecia às mulheres uma oportunidade de voz em meio a uma política predominantemente masculina. Assim, sua ação política se dava sobretudo no ambiente doméstico; seu papel se dava na preservação do cristianismo, da família e dos filhos contra os caminhos inadequados, o comunismo. Era ela a responsável por criar e educar o indivíduo integralista de amanhã. Plínio Salgado, líder do movimento, afirmava que a maternidade era uma função moral e lamentava a igualdade de gênero promovida pela modernidade. Cabe ressaltar o cont...