Mulheres Negras: moda e respeitabilidade

 

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Alberto Henschel. Mulher de turbante, c. 1870. Rio de Janeiro, RJ / Acervo IMS

 

As escolhas de vestuário foram essenciais para as mulheres negras após a emancipação dos escravizados. Roupas e acessórios foram, e ainda são usadas por elas como veículo para o debate antirracista. O tráfico e a escravidão fizeram com que as escravizadas perpetuassem a identidade africana por meio de tecidos como “panos da costa”, e adereços, como miçangas e búzios comprados em navios vindos diretamente da África. Esses usos explicitam escolhas estéticas que marcaram a identidade visual de mulheres negras, haja vista as roupas de “baianas”. Mas essa imagem da mulher negra, escravizada ou liberta, vestida com grandes saias engomadas e turbantes, não covinha à sociedade racializada depois da abolição. Após 1888, foi primordial o uso de um vestuário que corroborasse a realidade de mulheres livres, modernas e sobretudo dignas de respeito. Isso porque o escravismo autorizou homens brancos a entender mulheres negras como acessíveis sexualmente. Assim, articular a moda para a respeitabilidade na vida pública, era essencial para a proteção física dos corpos dessas novas cidadãs. Vestir-se de acordo com as ideias de “bom gosto” ajustava a projeção social delas, que lutavam para ser compreendidas de forma igualitária. Entre o final do século XIX e o início do XX, as mulheres negras com poder aquisitivo primavam por vestidos e penteados refinados, mas austeros. Apesar de as revistas femininas brasileiras não darem destaque às pessoas negras, por meio de seus clubes e jornais, essas mulheres concorreram a concursos de beleza exclusivos para gentes de cor, e criaram debates sobre os modos de vestir e portar no meio negro. Foram escritos artigos que determinavam o que era adequado para cada ocasião, e indicavam as cores, estilos, comprimentos, maquiagem e adereços aprovados para as moças e senhoras negras. Por exemplo, o uso de sapatos esportivos em ensaios dançantes, como tênis, foi intensamente debatido nos idos de 1910. Obviamente, nem todas tinham condições financeiras de adequar expectativas de vestir à realidade econômica. E houve também aquelas que se rebelaram contra essas exigências, aspecto que ficará mais visível a partir da década de 1920.

Por Lívia Maria Tiéde, @liviatiede


Para saber mais:

BASS-KRUEGER, Maude; EDWARDS-DUJARDIN, Hayley; KURKDJIAN, Sophie (Orgs.). Fashion, society and the First World War: international perspectives. New York: Bloomsbury Publishing (UK), 2021.

CARTER-DAVID, SIOBHAN. “A FANTASY IN FASHION”: Luxury Dressing and African American Lifestyle Magazines in the 1980s. In: BAY, MIA; FABIAN, ANN (Orgs.). Race and Retail. New Brunswick: Rutgers University Press, 2015, p. 246–262. (Consumption across the Color Line). 

HOSKINS, Tansy E. Is Fashion Racist? In: Stitched Up. London: Pluto Press, 2014, p. 128–147. (The Anti-Capitalist Book of Fashion).

RABINOVITCH-FOX, Einav. Fabricating black modernity: Fashion and African American womanhood during the first great migration. International Journal of Fashion Studies, v. 6, n. 2, p. 239–261, 2019.

ROOKS, Noliwe M. “Colored Faces Looking Out of Fashion Plates. Well!”: Twentieth-Century Fashion, Migration, and Urbanization. In: Ladies’ Pages. New Brunswick: Rutgers University Press, 2004, p. 65–88. (African American Women’s Magazines and the Culture That Made Them).

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