“Quem Ama Não Mata”: Construindo uma vítima “culpada”

 

  Alice com a mãe após almoço de família


Em 12 de julho de 1982 estreava a minissérie Quem Ama Não Mata no horário das 22h, na Rede Globo de Televisão, dirigida por Daniel Filho e Dennis Carvalho e escrita por Euclydes Marinho. A obra narrava a história de Jorge (Claudio Marzo) e Alice (Marília Pêra), um “mineiro machão” e uma dona de casa submissa que, entre segredos e omissões, têm um final trágico. Apesar da apropriação do slogan que surgiu em protestos na cidade de Belo Horizonte e da temática do feminicídio, a minissérie não se apresenta como uma produção feminista, deixando evidente que Alice também era culpada por sua morte.

O figurino de Alice é construído a partir de signos da feminilidade tradicional. Dona de casa em tempo integral, ela é graduada, mas não trabalha fora. Seu maior sonho é engravidar, mas não consegue – Jorge é infértil e mantém isso em segredo – e se considera menos “mulher” por essa razão. Além disso, é submissa e não dá um passo sem que Jorge a autorize. Diante desse arquétipo feminino que parece deslocado da mulher dos anos 1980, a figurinista Marília Carneiro construiu uma espécie de “New Look” moderno que oscila discretamente durante a narrativa. Enquanto cumpre seu papel tradicional, Alice veste decotes, vestidos, saias e cores neutras/claras. A maquiagem é muito presente e os cabelos estão sempre penteados. A silhueta é marcada, com decotes em V e o uso recorrente de babados. As camisolas também se destacam, pois era o privado o principal ambiente da personagem, tal qual as mulheres do séc. XIX. No período em que Alice briga com Jorge, fica “descasada” e realiza um aborto clandestino, aparecem calças e blazers. Quando retoma o seu casamento, o guarda-roupa de Alice volta às origens, principalmente na cena em que termina assassinada. Desta forma, percebe-se a escolha de Carneiro de trabalhar com as peças “masculinas” nas cenas mais subversivas da personagem e com as “femininas” para os momentos passivos, reforçando o masculino como local de poder e o feminino de submissão.

 Por Laise Lutz, @laiselutz


Para saber mais:

MENDES, Valerie. HAYE, Amy de la. A moda do século XX. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. Moda e revolução nos anos 1960. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2014.

SOUZA, Gilda de Mello. O espírito das roupas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

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