Corpos artificiais e inanimados na foto de moda

 

Mulher sentada na grama

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Steven Klein: “Suburbia #23”. Vogue, agosto 2012.


Quando se fala em representação da mulher nas imagens midiáticas, um tópico recorrente é a ideia de objetificação – normalmente no sentido de objetificação sexual para o prazer do “olhar masculino”. Na fotografia de moda, entretanto, a objetificação muitas vezes assume um caráter mais literal: impecavelmente adornadas, em poses rígidas, o rosto sem expressão, as modelos parecem se transformar em objetos inanimados, em elementos decorativos compondo a cena com as mercadorias em exibição, que assumem a função de protagonistas da imagem. Seres humanos e peças à venda, portanto, trocam de lugar; os objetos parecem dotados de uma personalidade sedutora, enquanto as mulheres se transformam em mercadorias de luxo, fabricadas minuciosamente a partir de materiais ricos. 

O glamour – uma estética que combina perfeição formal, artificialismo, opulência e frieza – parece mesmo depender da capacidade de transformação do corpo vivo em algo muito duro e precioso, como um diamante, ou um belo cadáver. Objetificação, portanto, é um conceito que se aproxima de outra ideia recorrente nas discussões sobre moda: a glamourização da morte. De fato, na fotografia, essa condição desvitalizada, passiva, morta, é figurada como sedutora, romântica, sublime. As imagens são criticadas justamente por vincularem passividade feminina à beleza e ao erotismo.

Nos próximos posts, vamos explorar quatro categorias de corpo inanimado ou artificial recorrentes na fotografia de moda: estátua, manequim, cadáver e ciborgue. Em cada categoria, vamos destrinchar os significados simbólicos atribuídos a cada uma dessas figuras, que ansiedades relativas ao corpo, gênero e sexualidade elas revelam, e que linhas de fuga elas são capazes de apontar. Se a objetificação em jogo na fotografia de moda pode ser lida como projeção patriarcal de desejos violentos, ela também pode dar forma sensível a pulsões de outra ordem, fantasias de desintegração e superação dos limites corpóreos, do desmantelamento da identidade, e da reconstrução do corpo e da subjetividade distante dos discursos limitadores do normal e do natural.

Por Pedro Pinheiro Neves, @pedro_pneves


Para saber mais:

BROWN, Elspeth H. Work! A queer history of modeling. Durham: Duke University Press, 2019. 

BROWN, Judith. Glamour in six dimensions. Ithaca: Cornell University Press, 2009.

MULVEY, Laura. Prazer Visual e cinema narrativo. In: XAVIER, Ismail (org). A Experiência do Cinema: antologia. Rio de Janeiro: Edições Graal; Embrafilme, 1983. 

NEVES, Pedro Pinheiro. Fotografia de moda: uma pequena introdução. Apresentação no Encontro com a Fotografia UNICAP, 2022 (buscar no Youtube “Encontro com a Fotografia UNICAP 2022”; a partir de 38:00)

WARWICK, Alexandra; CAVALLARO, Dani. Fashioning the frame: boundaries, dress and the body. Oxford: Berg, 2001.

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