O vestido no MHN: remusealização e classe

 

 Vestido de Maria Bonita na exposição Cidadania em Construção. Fonte: Museu Histórico Nacional /Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Foto de José Caldas


O Museu Histórico Nacional é reconhecido por possuir uma boa quantidade de acervo em Indumentária Histórica. Porém, quando um especialista entrou em contato com o museu, nos idos de 1980, informando que o MHN possuía um vestido de Maria Bonita, ele não foi localizado de imediato, pois havia sido selecionado para o descarte. Mas a partir da descrição, dada pelo especialista, foi identificado numa sala em que ficavam outros objetos que iriam ser descartados.  Identificado, foi retirado do status de objeto selecionado para o descarte e remusealizado (conceito proposto pelo Professor Dr. Bruno Brulon) - pois ainda que o vestido não tenha sido descartado, no sentido de não mais estar nas dependências do MHN, além da intenção, houve a determinação dessa escolha pelo museu. Musealizar ou remusealizar são processos sempre imbuídos de valores, e só se musealizam ou remusealizam objetos se eles forem valorados de alguma forma. Porém, o que diferenciou esse vestido dos demais que continuavam musealizados pelo MHN? 

Além de outras análises presentes em minha dissertação “Biografando o vestido de Maria Bonita do Museu Histórico Nacional: musealização e questões de gênero”, a pesquisa demonstra que durante seus processos de musealização no MHN, o vestido ainda não passou por uma leitura referente a sua estética, não foi, no MHN, comunicado como um vestido que se enquadra na categoria moda - vocábulo que pode ter diversos sentidos, entre eles, um conjunto de comportamentos de um grupo, que serão comunicados por meio de roupas, ou indumentárias, caso da estética do Cangaço.  Entre as questões apontadas na pesquisa, está o fato de o vestido pertencer a uma mulher que não se enquadra na classe de outras mulheres representadas no Museu Histórico Nacional, por meio dos vestidos que fazem parte da Coleção de Indumentária da instituição - ainda muito representativos das elites brasileiras. Por isso, o fato de Maria Bonita ser mulher nordestina, sertaneja, cangaceira, que não pertenceu às classes sociais vinculadas ao poder, pode ter sido um indicador de silenciamento dessa possibilidade.

 Por Ana Lourdes Costa, @ana_lourdes2005


Para saber mais:

BRULON, Bruno. Passagens da Museologia: a musealização como caminho. Revista Museologia e Patrimônio, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 189-210, 2018. 

BRULON, Bruno. Descolonizar o pensamento museológico: reintegrando a matéria para re-pensar os museus. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 28, 2020.
COSTA, Ana Lourdes de Aguiar. Biografando o vestido de Maria Bonita do Museu Histórico Nacional: musealização e questões de gênero. 2021. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO / Museu De Astronomia e Ciências Afins – MAST, Rio de Janeiro, 2021.

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