O vestido musealizado de Maria Bonita tem um zíper
Vestido de Maria Bonita em mesa da Reserva Técnica do MHN - Foto de Bruno Chiossi – 2019
O vestido musealizado de Maria Bonita é cáqui, tem soutages vermelhos em zigue zague, costurados por máquina, cujo acabamento é embutido (o que, na costura, é considerado um acabamento refinado), bolsos laterais, é de algodão e sua tecelagem é a sarja - todos elementos que compõem a estética cangaceira. Como se encontra hoje no Museu Histórico Nacional, apresenta remendos, ao que parece, costurados com o mesmo tecido com o qual foi feito. Tem um furo no centro, que não foi recosturado, o que pode indicar a presença de rasgo por arma de fogo, visto que estava com Maria no momento de sua morte. Mas, para comprovar essa hipótese, é preciso ser submetido a exames laboratoriais. Também apresenta manchas que, sem exames apropriados, não há como saber o motivo que as causou ou por quais elementos, sem excluir a possibilidade de serem causadas por sangue. Sobre essas marcas físicas, visíveis, Stallybrass (2008) afirma que são memórias deixadas nas roupas e que, mesmo depois de mortas, as pessoas continuam presentes nas roupas, na forma dessas memórias.
O que também chama a atenção para esse vestido é o zíper, localizado na parte frontal, no retângulo entre o pescoço e o colo. Uma novidade a que Maria Bonita aderiu, mesmo antes de sua popularização em terras brasileiras e pelo mundo. Para se ter ideia do caráter inovador dado pelo zíper ao vestido, somente na década de 1940 é que esse equipamento iria se popularizar mundo afora. A existência do zíper, ou como chamado na época fecho éclair, foi noticiada em matéria do jornal carioca A Noite, em agosto de 1938. Podemos imaginar o susto que os desavisados levaram, ao ler que uma mulher nordestina, sertaneja, que vivia fora dos padrões (da época) e considerada como marginal tinha um zíper em seu vestido? Esse espanto foi fruto de preconceito e de desconhecimento da presença da figura do mascate, uma realidade no Brasil anterior ao Século XX, que levava essa e outras novidades para Maria Bonita e suas companheiras de Cangaço.
Por Ana Lourdes Costa, @ana_lourdes2005
Para saber mais:
COSTA, Ana Lourdes de Aguiar. Biografando o vestido de Maria Bonita do Museu Histórico Nacional: musealização e questões de gênero. 2021. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO / Museu De Astronomia e Ciências Afins – MAST, Rio de Janeiro, 2021.
MELLO, Frederico Pernambucano de. Estrelas do couro: estética do cangaço. São Paulo: Escrituras Editora, 2010. p. 178 – 179.
SÁ, Ivan Coelho de. Acervos Têxteis e Musealização: a importância da conservação preventiva. In: Seminário - Moda: Uma abordagem museológica, 2018, Rio de Janeiro. Anais do I Seminário - Moda: uma abordagem museológica. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2018. v. 1. p. 9-30.
STALLYBRASS, Peter. O casaco de Marx: roupas, memória, dor. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
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