Manequim: o corpo surrealista na fotografia de moda

 

Foto em preto e branco de homem e mulher sentados no chão

Descrição gerada automaticamente

 Man Ray: “La mode”, 1925


O manequim é uma figura recorrente no surrealismo, presente em pinturas, instalações, poemas e até no Manifesto do Surrealismo (1924) de André Breton. Faz sentido, portanto, que ele apareça com frequência também na fotografia de moda de inspiração surrealista. Isso porque o manequim é um exemplo perfeito do conceito de “beleza convulsiva”: a ideia de que a beleza está presente naquilo que oscila entre a vida e a morte, a estase e o movimento, passado e presente, o orgânico e o inorgânico. Para os surrealistas, belo é aquilo que não tem identidade fixa, que não tem uma forma estável, mas que convulsiona entre diferentes estados de existência.

O fascínio da moda com o corpo artificial já estava em evidência na tendência da modelo como estátua, como visto no post anterior. Ao contrário da estátua grega, entretanto, o manequim não conota a eternidade da beleza ideal, nem a imobilidade serena do corpo de pedra. O manequim é feito para ser desmontado e remontado em outras poses, com outras partes. É um corpo infinitamente manipulável, moldável. Seus contornos não são rigidamente definidos, mas sempre passíveis de transgressão. Nas fotos de Man Ray e Erwin Blumenfeld, as modelos muitas vezes são figuradas como corpos aos pedaços, ou então como corpos multiplicados, ou com membros em excesso. 

Essa concepção do corpo e da beleza faz todo o sentido quando falamos de moda, fenômeno cuja característica principal é a constante mudança. Na moda, o belo nunca se fixa ou se eterniza, mas é sempre provisório. É essa revolução permanente que faz a roda do consumo capitalista girar, claro. Mas o casamento da moda com o surrealismo também nos ensina que identidades são construções artificiais e que o corpo com suas fronteiras e funções delimitadas é uma invenção cultural sempre passível de reinvenção.

Por Pedro Pinheiro Neves, @pedro_pneves

 

Para saber mais:

FOSTER, Hal. Compulsive beauty. Cambridge: MIT Press, 1993. 

KRAUSS, Rosalind. Bachelors. Cambridge: The MIT Press, 2000. 

KRAUSS, Rosalind. O fotográfico. São Paulo: Gustavo Gili, 2014. 

NEVES, Pedro Pinheiro. A beleza convulsiva do manequim: o corpo inorgânico da moda no Surrealismo. dObra[s] – revista da Associação Brasileira de Estudos de Pesquisas em Moda, [S. l.], v. 13, n. 28, p. 233–254, 2020.

MORAES, Eliane Robert. Breton diante da esfinge. In: BRETON, André. Nadja. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

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