Feminino e modernidade na Fon-Fon

 

Fon-Fon, 1911, n.14


A revista Fon-Fon produz o feminino, participando discursivamente da construção do gênero na sociedade carioca da belle époque, ao veicular representações da modernidade atravessadas por imagens e significações do feminino. As capas da revista Fon-Fon são um espaço privilegiado de análise. Nelas, as formas femininas aparecem para deleite dos leitores ou como exemplo de elegância a ser seguido por outras mulheres. Assim, para agradar o público feminino, e, principalmente o masculino, a aparência, a exibição ficaria a cargo das mulheres, enquanto aos homens caberia o espaço público, o mundo do trabalho e da força, reforçando uma ideia de desigualdade entre os sexos, escamoteada em uma suposta complementaridade. Lógica que reafirma a partilha de gênero, ao reiterar papéis atribuídos para cada um dos sexos: a inteligência, a competência, o mundo dos negócios destinados ao masculino; a beleza, emoção e sensibilidade, que se tornam características próprias do feminino. Deste modo, aos homens caberia a sobriedade do trajar-se, enquanto às mulheres a liberdade para usar todo tipo de ornamentos para “encantar” os outros e também para ostentar riqueza e poder masculinos. Não por acaso, a moderna preocupação com o corpo, a beleza, a moda e sua ostentação eram reafirmada nas matérias, funcionando ao mesmo tempo como crítica restritiva e como estímulo. Assim, segundo a receita da Fon-Fon, as mulheres deveriam ser “belas, jovens e modernas”, sem abrir mão, porém, de pautar seus comportamentos a partir de padrões pré-estabelecidos de condutas. Afinal, os novos comportamentos femininos, se radicalizados, poderiam desestabilizar a ordem, a base familiar da sociedade. Nessa lógica, as mulheres modernas deveriam ter seus limites de ação e de atuação bem delimitados, para não se tornarem perigosas. Nesse investimento generizado, buscava-se reafirmar, junto ao público feminino, sua face identitária tradicional, associada ao privado, ao lar, aos cuidados com a família. Mas, e quando essa divisão supostamente “natural” era subvertida? É o que veremos na próxima publicação.     

Por Fabiana Macena, @macena826


Para saber mais:

LAURETIS, Teresa de. A tecnologia de gênero.In: HOLANDA, Heloísa Buarque de (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeio: Rocco, 2004.

MACENA, Fabiana Francisca. Madames, mademoiselles, melindrosas: “feminino” e modernidade na revista Fon-Fon (1907-1914). Dissertação (mestrado em História). Brasília: Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em História, 2010.

OLIVEIRA, Cláudia. Rio Femme – mulher Rio: a representação do amor e da sexualidade nas ilustradas cariocas Fon-Fon! e Para Todos... 1900-1930. ArtCultura, Uberlândia, v.10, n.16, jan.-jun. 2008. 
SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas a moda no século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

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