Favela é Moda: quando existências periféricas adentram o mundo da moda

 

Homem com cabelo preto

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A mediação entre a favela e as passarelas de moda, proposta pela Jacaré Moda - uma agência de modelos criada na favela do Jacarezinho, Rio de Janeiro - narrada no documentário Favela é Moda (DOMINGOS, 2019), incita um agenciamento de conceitos e ideias, vindos de perspectivas múltiplas de existência, para pensar o caminho favela-passarela pelo seu aspecto de biopoder. 

O atravessamento de mundos, prática xamânica presente em rituais de alguns povos ameríndios, é inspiração para pensar o atravessamento feito pelos modelos da favela até as passarelas de desfile das grifes. Para isso, nos amparamos no conceito de Multinaturalismo (VIVEIROS DE CASTRO, 2004) que diz da existência de vários e diferentes mundos criados por gentes, seres e perspectivas diferentes, e afirma a possibilidade de comunicação a partir do reconhecimento de tais diferenças. Tomamos de empréstimo ainda a ideia de direito das gentes e divisão colonial de lugares no mundo (Mbembe, 2013) para pensar os corpos que se desalinham dos conceitos eurocentrados de estética e beleza; e o conceito foulcaltiano de biopoder, a partir de Michel Hardt, para ler a inserção da heterogeneidade em circuitos excludentes e exclusivistas como a resistência empenhada pelos desprivilegiados de um sistema desigual que rege um mundo plural. 

Apresentamos, assim, um agenciamento de ideias que permite uma abordagem não convencional de um fenômeno da moda, acreditando ser essa uma possibilidade também para abordar outros fenômenos desse circuito. Uma alternativa às formas que partem exclusivamente de referenciais ocidentalizados e que, muitas vezes, não dão conta da diversidade de existências que compõe o circuito da moda e seus desdobramentos. Sobretudo no que diz respeito às diversidades periféricas que, não a largos nem fáceis, mas crescentes passos, seguem chegando com seus corpos, estéticas, políticas, cores e texturas, em espaços ainda excludentes e exclusivistas, e convocando, com isso, uma redistribuição de lugares simbólicos, reais e concretos no mundo.

 Por Cristiane Laia, @cristiane_medeiroslaia


Para saber mais:

DOMINGOS, Emílio R. S. Favela é Moda: uma etnografia de uma agência de modelos periférica. Ana Lucia Enne, orientadora. Niterói, 2019. 116 f. 

MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. São Paulo: n-1 edições, 2013.

VILAÇA, Aparecida. Paletó e eu: memórias de meu pai indígena. São Paulo: Todavia, 2018.

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena. In: DANOWSKI, Déborah, PEREIRA, Luiz Carlos (orgs.). Revista “O que nos faz pensar”, n.18. Rio de Janeiro, RJ: Cadernos do Departamento de Filosofia da PUC-Rio, 2004.

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