Estátua: classicismo na fotografia de moda

 

Foto em preto e branco de pessoas olhando para a câmera

Descrição gerada automaticamente

 George Hoyningen-Huene: “Evening dress by Paquin”; Vogue, 1934.


Nos anos 1930, a Vogue aderiu à moda do classicismo, vista principalmente no trabalho de dois fotógrafos: George Hoyningen-Huene e Horst P. Horst. Em suas imagens, geralmente feitas em estúdio, modelos assumem poses de estátua grega entre colunas, urnas e fragmentos de escultura. A frieza e rigidez do mármore casam-se perfeitamente com o glamour gélido e indiferente da modelo, que mesmo diante dos nossos olhos parece habitar um outro universo, mais elegante e rarefeito. 

Elas encarnam um ideal abstrato: um corpo padrão, “neutro”, que exclui todos os desvios da norma - branco, magro, sem deficiências. Estátuas gregas têm o rosto sempre igual; nas fotos de Huene e Horst, os rostos são muitas vezes ocultos pela pose (que privilegia as costas), por acessórios (chapéus, véus) ou por sombras, apagando a identidade da modelo, que assim se aproxima da impessoalidade de uma “forma pura”.    

Na lógica racista, branco representa pureza, transcendência do corpo, controle sobre os impulsos – características que comprovariam a suposta supremacia dos brancos sobre outras raças. A branquitude aspira ao ideal de um corpo rijo, impermeável e contido como uma estátua. A ficção histórica do mármore branco (falsa, pois os gregos pintavam suas estátuas) serve para manter a ideologia da superioridade artística, cultural e racial do Ocidente.   

Mas o classicismo de Huene e Horst não carrega apenas significados reacionários. O que ele produz é glamour, uma estética codificada como feminina, erótica, enganadora e frívola, privilegiando o efeito de superfície e o prazer visual acima de noções de profundidade ou verdade. Seu uso de colunas e estátuas é ornamental e extravagante, causando atrito com os valores “clássicos” de pureza, simplicidade e retidão. 

Essa Grécia não é o berço da civilização, nem glorifica um passado moralmente puro em oposição a um presente corrompido. Ela é uma utopia onde a beleza, a sensualidade e a preguiça reinam acima de injunções morais e pressões de conformidade a uma vida de trabalho, produtividade e seriedade. Uma antiguidade mítica onde a graciosidade e a elegância estão acima da moral burguesa.

Por Pedro Pinheiro Neves, @pedro_pneves

 

Para saber mais:

BROWN, Elspeth H. Queering glamour in interwar fashion photography: the “amorous regard” of George Platt-Lynes. GLQ, Durham, v. 23, n. 3, 2017. 

DYER, Richard. White. London: Routledge, 1997.

GROSS, Kenneth. The dream of the moving statue. Ithaca: Cornell University Press, 1992.

NEVES, Pedro Pinheiro. The neoclassical body in 1930s fashion photography: high glamour, fascist ideals and queer utopias. Apresentação no Colloque Corps, 2021 (buscar no Youtube: “Colloque corps” + “Pedro Neves”)

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