Cadáver: violência e morte na foto de moda dos anos 1970
Chris von Wangenheim; Harper’s Bazaar Italia, 1978. Modelo: Shelley Smith
Nos anos 1970, as revistas de moda se enchem de imagens violentas: acidentes de carro, tiroteios, assassinatos. Tudo muito sexy e glamouroso, com maquiagens extravagantes, cabelos impecáveis, brilhos, fendas, decotes, nudez. A “revolução sexual”, a legalização da pornografia nos EUA e o clima de desbunde depois das convulsões sociais dos anos 60 combina-se com um interesse renovado na elegância perigosa dos filmes noir e dos clássicos de Hitchcock, numa mistura explosiva de sofisticação e vulgaridade denominada “pornô-chic”.
Sempre controversa, a obra de Guy Bourdin, Helmut Newton e Chris Von Wangenheim, entre outros fotógrafos praticantes do gênero, talvez seja ainda mais chocante nos dias de hoje. Feministas sempre acusaram essas fotos de promoverem a glamourização da morte e da violência contra a mulher. Esses fotógrafos, no entanto, fazem parte do panteão dos criadores de imagens de moda mais famosos e celebrados de todos os tempos, e seguem influenciando editoriais e desfiles. Na moda, uma dose de morbidez e repulsa parece ser o tempero ideal do luxo e da beleza.
A historiadora Rosetta Brooks vê nos anos 70 o surgimento de um consumo irônico das imagens de moda. Para ela, Bourdin imagina uma leitora versada nos mecanismos da imagem fashion, e por isso vale-se de estratégias de distanciamento e reflexividade, estabelecendo um jogo de olhares com a leitora, entendida simultaneamente como sujeito desejante e sabedora das convenções e manipulações que despertam esse desejo. A sedução exercida pela fotografia de moda não depende de uma adesão ingênua aos ideais que ela aparenta impor, mas de um reconhecimento tácito do caráter fantasioso e frívolo com o qual ela brinca, e de uma consciência irônica dos artifícios empregados para estimular o desejo.
Uma das maneiras de enfatizar a artificialidade da imagem é através do emprego de referências à cultura pop (cinema policial e giallo italiano) e do exagero nas situações ficcionais, poses, mise en scène, ângulos e cores. As imagens convidam a um consumo sofisticado, irônico, cínico, pós-moderno – é o prazer do artifício, o desejo desencantado do simulacro.
Por Pedro Pinheiro Neves, @pedro_pneves
Para saber mais:
BROOKS, Rosetta. Sighs and whispers in Bloomingdales: a review of a Bloomingdale mail-order catalogue for their lingerie department. In: MCROBBIE, Angela (ed.). Zoot suits and second-hand dresses: an anthology of fashion and music. Basingstoke: Macmillan, 1989.
DOANE, Mary Ann. Femmes fatales: feminism, film theory, psychoanalysis. New York: Routledge, 2013.
NEVES, Pedro Pinheiro. Mulheres fatais e mulheres mortas na fotografia de moda dos anos 1970. Apresentação no Colóquio de Moda 2021 (buscar no Youtube “GT – Gênero e cultura de moda: perspectivas contemporâneas – Dia 2”; a partir de 28:00)
RAZ-RUSSO, Michal. From rebellion to seduction, 1970-1989. In: MARTINEAU, Paul (ed.). Icons of style: a century of fashion photography. Los Angeles: J. Paul Getty Museum, 2018.
SERRES, Michel. Statues. London: Bloomsbury, 2015.
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